Travessia do canal da Mancha...

Travessia do canal da Mancha...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

“Borboto de primavera”

“Borboto de primavera”

Repouso no teu abraço, apagando a noite crua
Quando trazes do mar a espuma do horizonte
Que logo embebes o branco que em mim perdura
Como uma espera raia, no cantar de cada fonte…
- Que assim voltas para a tua janela
Como a flor mais bela.
***

“Tão-somente”

“Tão-somente”
Posso assim cantar alegrias
Nesse banco de solidão
Sereias, nos olhos fugidios
Quando sentam batidas no coração

Longo mar calha de silêncios
Murmúrios, repassados da altivez
Que fúrias vagam, por sua vez
A voz que ergue seus monumentos
Bastos tormentos
Só a palavra, impotente
Tão-somente
Acaba
Para vencer lavrada.
***

“Música do suor largado”

“Música do suor largado”
Isto é que vai uma melodia
Chuva e vento para o celeiro
Sol, por fantasia
Morre noite, nasce dia
Novo tempo morangueiro
Que do pouco escorrido
Grão de vida é libertado
Em canteiro convertido
Música do suor largado.
***

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

“Palavras cruas”

“Palavras cruas”


Largos momentos de saudade
Tombam peitos dia a dia
Correntes marcando idade
Por cada lembrança de alegria

Lá gemia docemente
Com águas até há queixada
Lavava os pés de muita gente
E de muitos:
Os olhos, encharcava

Bem queriam ser contentes
Quando as mãos sempre doíam
Longe das forças valentes
Tão próximo dos calos que mordiam

Queixumes tornados melodias
Na propícia de cada fulgor
 Seus rios, amparo de vozes fugidias
Perturbação de medos e horror

Soltou-se a palavra pelas ruas
Como folhas sovadas de vento
Logo muitas, se mostraram cruas
Onde ideias perdiam alento.
***

“Segredo ou mágoa”



Enquanto os Mundos colidiam, há minha volta
Afastava-me, adivinhando o impacto que se avizinhava:
- Rasga-te vela perdida
Que já meu vento te embrulhou
Quando a orla cai vencida
O Homem grita, o mar chorou
Achou-se vazio do tudo por nada
Que logo ali se afundou
Tempero dos olhos, vaga salgada
Segredo ou mágoa, o tempo enterrou.
***

“Ruas fartas”

“Ruas fartas”


Peço um abraço, como quiser
Mesmo trovas, noite assombrada
Se nos meus lábios beijo fizer
Doces paladares de voz molhada

Esparsos olharem, seiva lavrada
Génios erguendo, estandarte possuído
Lavam no vento mania vaiada
Repouso, tormento, corpo vencido

Soltei-me livre, sem eira nem beira
Bolsa às costas das solas gastas
Sem macieza de terra certeira
Noite oferecida, ruas fartas
Acompanhando a bandeira sem tenda
Sem luz de candeia, ou voz que se venda.

***

“Para fugir ao Diabo”

“Para fugir ao Diabo”


Caminhei de mão dada com a loucura
Feito menino nas ruas da mansidão
Comi, da goma branca, certa dose de ternura
Gemendo tinta nas cores do coração

Não temi causas curadas
Que o tempo lavou minha mágoa
Onde os olhos vertiam lágrimas
Logo corrida, poema como água

Muitos passos foram largos
Para alcançar a jornada
Uns, bem tortos e amargos
Outros, marcados para nada

Tanta calçada pisada
Para lavar minha dor
Rima nova, bem rimada
Para criar esta flor

Mais não posso dizer
É terreno enlameado
Lá na frente fui morrer
Descalço, para fugir ao Diabo.
***

“Um pouco assim”

- Se elevam dias, onde chego e adormeço
Contando a oferta da própria vida
Os pés frios e um solo que desconheço
Batendo a primeira distância conhecida
- Longe dos passos, absorvo, enfrento
Mostra de uma vontade conquista
Onde muito, essa verdade contento
Pisando, como quem ajoelha sobre a vista
- Não tinha, ainda, terra para cobrir
Noite vesga de lamúrias e gemidos
Rombo de paredes, que lamento de ouvir
Escuridades que lavem do rosto sorrisos
- Que lavassem o sofrimento
Rondado pelas costelas da oferta
Para cada espaço em seu momento
Badalo amontoado, vaga coberta
- Encontro amontoado no interior de cada peito
Esquecido, abandonado ao desdém
Arrombo nas paredes de cada lamento perfeito
Muro derrubado que se ouvisse também.
***

“Tomara”

Tomara que essas muralhas tombassem
Urdindo idiotas de estribaria
Que da água, flores brotassem
Pérolas de paz e alegria

Tomara que os corações cantassem
Canções de amor por voz completa
Que logo ali, olhos se alegrassem
Com cantigas de sorrisos, fazendo festa

Tomara que o céu chegasse
De cores virgens Transcendentes
Tomara que se encantasse
Com obras de todas as gentes

Tomara, tomara que fosse assim
Para que voltasse, sem deixar de o ser
Tomara que ficasse, enfim
Tomara, tomara que o pudesse entender

Tomara que tomasse o tomado
Tomando o que tomasse satisfeito
Tomara que vertido ou entornado
Tomara que o tomasse de todo o jeito.
***

“Soneto de voz beijada”

No monte sorriu de céu
A lágrima que o mar fez chorar
Murmúrios de luz, vozes ao léu
Sonhos verdes por encontrar

Largaria sim, quase ternura
Largos laços de mão em mão
Atento vale de ronda brancura
Unguento sangrado da mansidão

Grandes vasos de pó soprado
Onde o punho tem debandada
O canalha abandalhado
E a vaca de coro sentada

Logo lúdico se alagava
Em vãs palavras de corrimão
Que o tempo assim acabava
Contando batidas do coração

Não chegou para contar
Os espaços da solidão
Nem falou para chegar
Só chegou e disse:
- Não.
***

“Quinteto”

A festa bateu no peito
Enquanto a vida mordia
Batendo o tempo, do mesmo jeito
Nos vazios de quem morria

Mas não foram, nem muralhas
Que raiasse novo dia
Gota de orvalho tecendo malhas
Em passos que a noite vencia

Vara-se a moita talhada
Com negrumes intervalados
Águas livres de calçada
Em brio de rostos cansados

Rompe Aurora atordoada
Cheiros e brilhos lhe dão
Trocam-se ventos, sem dizer nada
Moem-se tempos e encontrarão.

Bem disse o velho ditado:
“Quem corre por gosto não cansa”
Não vai torto nem assinado,
Nem de pé…
- Talvez deitado.
***

“Abandono”

Entoo, voz apagada
Num silvo de pompeio ardente
Longe do peito, maré cansada
Toque de jeito contente
Voz de um povo que não diz nada
No orgulho de gente amuada
Assobio de água furtada
Ao declínio do temporal
Por ali, rio de âncora largada
Que o coração lhe lave o mal
Ora, que seja encastelado
Mas sempre, sempre abandonado.

“Poses do destino”

Esmaga meu pó espalhado
Onde o dia foi terminar
Levanta a raiz do machado
Que faz a voz acabar

Lento vento que sucumbes
Que trepas sobre as arestas do mar
Ripa meus lábios sedentos
Palavra ou dor, parece calar

Onde quietas ficam e mundanas
Caminhos rasgados ao caminho
Poucos são,
Teus gritos,
Vagas e chamas
Fogos aflitos,
Poses do destino.
***

“Eram Apontadas”

Eram sorrisos vendidos
Corruptos e rosados
Rostos e corpos amargos
Olhos bem perdidos
Eram pouco, encontrados
Eram as vozes vencidas
Roucas de tanta cantada
Pois que, ali, a palavra esmaga
Eram vozes torcidas
Aldrabadas
Eram
Mas nunca apontadas.
***

"A Que Vencia”

Procurou em si o mar
A coragem que não encontrou
Na cobardia que o obrigou a ficar
Naufragando,
Naufragado se acostumou
Sucumbindo sobre a vida
- Que ao menos, fosse por um dia
O topo daquela subida
Que ali:
A morte vencia.
***

“Agrura”

Enquanto todos se apertam
Aquele se afasta;
Que lhe dói no peito
Nó antigo
Próprio, vencido…
Amargo de tempo velho
Para um abraço fendido
Que lhe adorna o entretenho
E o ocupa, perdido…
Por um abraço que não veio
Mas ficou, para matar…
A lembrança, alojada no seio
- A fuga;
- O abraço;
O punhal que não quer cravar.
***